O Supremo Tribunal decide sobre a deserdação
O Supremo Tribunal rejeita que a falta de relação seja razão suficiente para deserdar um filho ou neto se não for possível provar que esta separação foi contínua ao longo do tempo, atribuível ao herdeiro e causou danos psicológicos ao testador. Foi isto que o Supremo Tribunal estabeleceu numa decisão em que defende um grupo de netas que apelaram contra a vontade da sua avó paterna, que as deserdou por terem rompido todas as relações com ela após a separação dos seus pais.
Inscreva-se gratuitamente e receba as principais notícias do dia na sua caixa de correio todas as manhãsREGISTA-ME
De facto, a mulher fez um testamento apenas cinco meses após a morte de um dos seus filhos, o pai dos queixosos, incluindo uma cláusula em que deserdou as suas duas netas "por a terem maltratado de facto", negando-lhes a parte legítima do legado que lhes correspondia na ausência do seu pai. Mas, talvez ciente de que a decisão poderia ser invertida, deixou por escrito que se a deserdação não tivesse efeito, apenas lhes legaria o que lhes correspondesse estritamente.
O testamento foi contestado pelas netas, que negaram que a falta de relação com a avó pudesse ser considerada abuso psicológico, uma das poucas causas de deserdação previstas no Código Civil, e que sublinharam que o seu pai, com quem também não falavam, não os deserdou. Este argumento foi contrariado pelos seus tios e tias, que argumentaram que o seu irmão morreu subitamente de um derrame cerebral, pelo que morreu em estado inteste, e que as suas filhas não compareceram ao hospital ou ao funeral.
Apesar destes argumentos, as netas ganharam todos os julgamentos que se realizaram, primeiro num tribunal em Aranda de Duero e depois no Tribunal Provincial de Burgos. Neste último caso, os magistrados reconheceram que a mudança na vontade da avó poderia ter sido motivada "pela última falta de afecto dos queixosos pelo seu pai", ao não o visitarem no hospital. Contudo, lembraram que por detrás deste episódio havia uma história anterior de desentendimentos e que a própria avó, após a separação dos pais das raparigas, expulsou-as judicialmente e à mãe da casa onde viviam, situada num acampamento pertencente à família paterna.
O Supremo Tribunal, na sua decisão, recorda que os fundamentos para negar a parte legítima de um parente são muito específicos por lei, e que, se forem objecto de recurso, cabe aos restantes herdeiros provar a sua veracidade, uma vez que o ónus da prova é deslocado.
O Supremo Tribunal reconhece que noutros casos admitiu a falta de uma relação contínua atribuível ao herdeiro como maus tratos psicológicos e, portanto, como uma razão justificada para a deserdação. Mas deixa claro que "nem toda a falta de relação afectiva ou de tratamento familiar pode ser incluída, por via de interpretação, nos motivos de deserdação".
O contrário, diz ele, equivaleria a deixá-lo nas mãos do testador para negar a parte legítima a qualquer parente directo com quem tenha perdido a relação, independentemente das causas e das consequências que esta situação tem para a sua saúde.